Minha mãe era uma Jane Geek
Artigo publicado em 25/11/2005 para a rádio Antena 1.
Geek é aquele que ama tanto a tecnologia que prefere passar horas cercado por ela à ter uma vida social ativa, rodeados por amigos ou namoradas, certo? Assim sendo, trata-se de um papel para ser desempenhado por homens, e não por mulheres. Afinal de contas, são os homens, e só eles, que têm essa paixonite por tecnologia presente no sangue, não é mesmo? Meu primeiro computador, por exemplo, um MSX de 8 bits que ganhei anos atrás, ainda faz meu coração palpitar de saudades.
O fato é que alguns gerentes da Dell voaram para Nova Iorque esta semana, com uma missão: Conversar com editores de 12 publicações norte-americanas, algo bastante corriqueiro, não fosse por uma peculiaridade. Eles não foram atrás de revistas de tecnologia, mas sim, de revistas que ditam o comportamento e as tendências femininas. Essas revistas publicaram em suas páginas artigos conclamando as impressoras a laser, as TVs de plasma e os notebooks da empresa como itens imperdíveis para as mulheres.
O fato é que hoje os homens dividem espaço com as Jane Geeks. As mulheres, que antes iam às lojas avaliar apenas geladeiras e microondas, procuram câmeras digitais, filmadoras, MP3 players, flash disks, computadores e afins tanto quanto seus colegas do sexo oposto. Nos EUA, elas já respondem por 50% das compras no setor de tecnologia, mercado que movimenta US$ 122 bilhões por ano. E é por isso que Dell, Samsung e Best Buy, gigantes do ramo por lá, resolveram passar a dar mais ouvidos a elas: Seus planos de marketing sofreram pesadas modificações para se adaptar ao que as mulheres querem.
Em 2003 a Samsung testou sua linha de telefones, TVs e home theaters apenas com homens. Hoje, eles garantem que metade daqueles que estarão testando seus produtos serão mulheres. Sua ~DuoCam, mistura de câmera digital e filmadora, surgiu após a percepção de que mulheres gostam tanto de fotografia quanto de vídeo, mas não gostam de carregar dois aparelhos para aproveitar ambos. Além disso, depois de uma sugestão delas, o modelo ficou 40% mais leve. Mulheres têm esse diferencial: É mais fácil para elas dizer que gostariam que se mudasse o design de um aparelho, ou sua cor, ou que se tornasse sua operação mais simples, do que para um homem.
A Best Buy agora conta com vendedores chamados Personal shopping advisers. Estes conselheiros orientam as mulheres, deixando de lado bits e bytes e perguntando, por exemplo, se na hora de comprar uma câmera digital, a mulher a usuará mais para fotos paradas, ou para o registro de jogos de futebol. E como as mulheres, quando não entendem de tecnologia, não ficam tentando se fazer de entendidas, como muitos homens que eu conheço, a loja também criou a Geek Squad, uma força-tarefa de funcionários que vai até a casa das clientes fazendo demonstrações, instalando software e consertando hardware. A Dell, de forma parecida, oferece o Dell On Cal, que arruma pequenos problemas de software conectando técnicos à distância, mediante o pagamento de pequenas taxas.
E é nesse mundo, cada vez mais, que vivemos. Tecnologia também é papo de mulher, e elas não só compram produtos da área, como também, agora, engrossam as fileiras dessas empresas, que traduzem o perfil de seus consumidores em seus quadros de funcionários. Desconfiei, ao final deste texto, do que eu já imaginava: Tendo me dado um MSX e me introduzido na programação com um pacote DBase III Plus, há anos atrás, minha mãe com certeza foi - e ainda é - uma das primeiras Jane Geeks da história. Essa semana, por exemplo, ela está querendo comprar um flash disk com MP3 player embutido. E ninguém a segurará, assim como a nenhuma mulher que resolver encarar - e gostar de - tecnologia de coração.