Daniel Santos

À la carte

Artigo publicado em 01/12/2005 para a rádio Antena 1.


Se você nunca assinou uma revista de grande porte e circulação, deve ao menos conhecer alguém que já o tenha feito. Pois bem. Salvas raras exceções à regra, nenhum ser humano que eu conheça consegue efetivamente ler todo o conteúdo que recebe, em tempo hábil para prosseguir lendo a próxima publicação, que, nesses casos, normalmente, sai semanalmente. A mesma coisa, o mesmo fenômeno, digamos assim, ocorre fatalmente com quem assina um jornal. Mas dessa vez, repete-se diariamente. O que quero dizer é que, por essas e outras, é que encaro o modelo oferecido por alguns sites na Internet como o mais válido. Cobrando uma pequena taxa mensal, alguns websites permitem acesso on-line a seus leitores pagantes, deixando-os navegar, dentre uma série de artigos, apenas pelo conteúdo que desejarem. Simples, fácil e prático. Com a vantagem adicional de não acumular, num canto qualquer da estante, pilhas e pilhas de jornal semi-novo sem ter sido lido.

A tendência de sites como estes, que cada vez mais pipocam pela web me faz pensar em algo que seria igualmente - ou até mais - interessante. Lembro-me de uma conversa que tive com uns amigos há certo tempo, girando em torno de um tema que muita gente conhece: Televisão por assinatura. Se eu posso acessar sites para ler apenas o que eu quero ler, então deveria ser possível, também, assinar apenas os canais que me interessassem, dentre aqueles oferecidos pelas operadoras. Ao invés de pacotes inteiros, recheados com canais extras que muitas vezes nem são assistidos, receber apenas o que efetivamente assistimos. Um sistema de programação a la carte, um dos meus sonhos de consumo.

Por mais que, na época, ao conversar com meus amigos, eles gostassem da idéia tanto quanto eu, a coisa parecia algo surreal demais, impossível de acontecer, mesmo. Isso porquê tanto eles quanto eu sabíamos que ninguém jamais seria capaz de defender uma causa dessas, favorecendo milhões de assinantes de um serviço cada vez mais corriqueiro no mundo inteiro. Mas vi, essa semana, que trata-se de coisa do passado. A causa que eu tanto gostaria de defender agora já tem um defensor poderoso. Kevin Martin, presidente da Comissão Federal de Comunicações norte-americana - ou apenas FCC - sugeriu na terça-feira passada que as companhias de TV a cabo poderiam atender melhor seus clientes caso os deixassem assinar canais individuais, ao invés de pacotes.

Uma das vantagens mais óbvias de um sistema em que você compra apenas aquilo que assiste seria a economia. E existiria um lado positivo para as próprias operadoras: Nos próprios EUA, por exemplo, pesquisas indicam que muitos consumidores gastariam mais com televisão por assinatura, caso pudessem escolher apenas determinados canais, ao invés de pacotes completos. Uma das vantagens adicionais, além de menos gastos, seria a possibilidade dos pais de controlarem melhor os canais considerados obscenos. Mas será que a coisa seria tão econômica assim? Novamente na terra do Tio Sam, a mesma pesquisa utilizada pelo FCC para chegar à conclusão de que o sistema a la carte seria benéfico, indica que um consumidor médio assiste à 17 canais em média. O preço médio de um canal único por lá, caso um sistema desses fosse implantado, seria de US$ 3,90, ou convertendo para a nossa moeda, R$ 8,70, pelo dólar de 30/11. Os dados demonstram que para os americanos só compensaria investir num sistema de canais individuais caso a assinatura máxima fosse de 9 canais.

E no Brasil? Vender canais separadamente talvez fosse muito bom, como no meu sonho. Mas não por esse valor. Assinar 9 canais por esse valor me daria um montante mensal de R$ 78,30, aproximadamente o que eu já pago à minha operadora por centenas de canais, muitos deles, é verdade, que eu acabo não assistindo mas que, pelo menos, estão à minha disposição se eu quiser vê-los. Deveria haver por parte do governo brasileiro, caso um sistema desses fosse pensado para o Brasil algum dia, algum incentivo às empresas de telecomunicações, para que, baixando seus custos operacionais, pudessem oferecer uma assinatura básica ao consumidor por valores mais praticáveis. Mas pensem até mesmo no caso dos americanos: Se os canais fossem vendidos isoladamente, o que aconteceria com aqueles que fossem menos populares? Definhariam, assim que o dinheiro que ganham com venda de anúncios não pudesse mais ser obtido. Quem veria anúncios num canal impopular, afinal? Por isso meu sonho de TV a la carte deve estar longe da realidade. Ao menos por um bom tempo, imagino.